Daniel Medeiros *
Noventa dias inteiros em casa, com raras e apenas requerimentos de redução. Olho-me no espelho e vejo que envelhecemos, não porque ocorreu-se 90 dias, mas porque senti-os todos, inteiros, hora a hora, incluindo as longas vigílias pela madrugada. Nunca vivi algo assim, pelo contrário, perco-me nos últimos e últimos anos dos últimos acontecimentos, não sei os dados de universitários dos meus mais próximos e apenas uma rede social que me salva de um constrangimento maior. Os alertas de tempo não são permitidos e vividos até aqui, em uma suspensão agradável à prova de água, como quem entra mais em uma taça de vinho.
Hoje acordei com a notícia da morte de um amigo, vinte e cinco anos mais velho que eu. Tornou-se amigo ao longo do tempo e já está distante. Essa aproximação começou sem que a lembrança, com o seu nome estampado em um livro de Ciências, quando eu, menino recém-ingressado no colégio militar de Fortaleza, apresenta livros didáticos para meus pais, incluindo o perfume suave de suas páginas e imagens de imagens e conhecimentos. No livro desse amigo havia um macaco de olhos azuis na capa. Encantava-me aquela imagem, a profundidade desse olhar.
Muitos anos depois, já em Curitiba, aluno do ensino médio, ganhou alguma menção honrosa por alguma atividade escolar e foi convidado a conversar com o diretor do curso. E era ele, o homem do livro do macaco de olhos azuis. Seus olhos também eram claros (ou era sua pele que era muito clara, não tenho certeza) e era simples e gentil, perguntando-me sobre quem eu queria ser a vida. Eu não sabia, mas apenas três anos depois, eu estava trabalhando junto com ele, como professor da escola de qual era um dos donos.
Os anos - dizer assim, agrupar tantos dias e meses intensos em duas únicas palavras parece tão irreal - passar e tornar-se amigos, trocar idéias sobre o trabalho e jogar conversas no bar. Algumas vezes ele foi na minha casa e outras na casa dele. Ele me chamava de “Heródoto” e nunca mais pode rir e repetir essa brincadeira.
Desenvolver, envelhecer todos os que sobreviverem neste tempo, na luta inútil pelos vencedores-lo, quando for considerado mais provável. E distância porque outras urgências foram levantadas ou porque foram simplesmente enganadas, preenchidas dias e horas e minutos com muitos compradores, como dizer “olha, estou aproveitando, estou fazendo bom uso do seu presente, senhor tempo”. Ou você está lá, porque hoje estamos tristes e tristes, como um soro da verdade, impedimos que desculpe-nos por toda a hora e deixa-nos sós diante dos mesmos.
Escrevi para o filho dele, que menino conhecido e que hoje é homem feito, homem de culto e viajado, com quem também divide trabalhos muito agradáveis, mas também me foi deixado. Ele foi gentil e respondeu-me quase de imediato.
Noventa dias inteiros em casa e agora percebo que meu distanciamento social nada tem com Covid, com medidas dos governos, com minha consciência do cidadão. Venho me exercitando para essa tarefa há anos e agora me dê conta. Talvez essa seja uma doença contra qualificada nos casos mais urgentes. O vírus é um vírus que diz assim: "matar o mensageiro não vai adiantar nada".
* Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.