O mercado de venture capital europeu vive um momento de redefinição. Após o frenético ciclo de 2021, quando os investimentos atingiram o pico de €102 bilhões, 2025 marca um ponto de inflexão. Segundo dados apresentados por Nalin Patel, Diretor de Pesquisa da PitchBook, na palestra "The Pulse of European VC" durante o WebSummit 2025, o setor atravessa um “soft landing”: o deal flow recuou para €44 bilhões, praticamente o mesmo nível pré-pandemia (€41 bilhões em 2019).

Mas esta aparente estabilidade esconde a verdadeira crise: o fundraising. Apenas €8 bilhões foram levantados em 2025, o valor mais baixo em uma década.

Essa escassez de capital  reescreveu as regras do jogo. Fundos que antes distribuíam risco em múltiplas frentes agora concentram as suas apostas em um único nicho: Inteligência Artificial. Pela primeira vez, IA e machine learning são a vertical nº 1 no continente, absorvendo 39,1% de todo o valor investido. Não é apenas uma tendência, é uma fuga para tentar sobreviver.

O raciocínio é compreensível, em um ambiente de escassez, os VCs buscam onde o retorno parece mais previsível. A IA promete produtividade, disrupção, crescimento e margens exponenciais. O problema é que esta concentração mascara uma miopia perigosa. A ironia é que o próprio mercado de saídas, ainda morno, prova o risco desta aposta. Num ano em que o valor total de exits foi de €53 mil milhões, um único evento, o IPO da Klarna (uma empresa de IT/Fintech), foi responsável por €12,7 bilhões, ou seja, quase 25% de todo o valor de saídas do continente.

O dilema descrito pela PitchBook, “Everything AI” vs. “Nothing AI”, sintetiza bem este momento. O risco é que o primeiro cenário acabe por se tornar literal: tudo é IA, e o resto deixa de existir. Indústrias estratégicas como energia limpa, biotecnologia ou climate tech podem ver o fluxo de capital evaporar, justamente quando mais precisam dele. O ecossistema europeu, historicamente diverso e equilibrado, corre o risco de se transformar num monocultivo de ideias.

Os defensores da estratégia argumentam que a concentração é racional: é onde está o retorno e a vantagem competitiva global. E têm razão, em parte. Mas a história dos mercados é cíclica. Toda era de hiperconcentração termina da mesma forma, com uma correção abrupta. A IA pode ser o novo ouro digital, mas até o ouro tem o seu pico. 

O venture capital europeu está, portanto, num reset estratégico. O instinto de sobrevivência levou os investidores a refúgios previsíveis. A pergunta que fica é se essa estratégia vai gerar a próxima revolução, ou apenas a próxima bolha.