Enquanto o Vale do Silício avança rapidamente para incorporar cada nova funcionalidade, cada framework recente, uma empresa avaliada em mais de um bilião de dólares subiu ao palco do WebSummit e apresentou uma mensagem contrária: desacelerem.
Sim, no auge da maior corrida tecnológica desde a internet, a Gamma, liderada por Grant Lee, defende que “crescer devagar” é a estratégia vencedora.
É ir contra o status quo do setor. E, no entanto, talvez seja a única resposta racional ao “burn cycle” que a IA só amplificou: levantar capital cedo demais, contratar cedo demais, gastar rápido demais, e descobrir tarde demais que não existe produto, mercado ou tração que suporte a estrutura inchada.
A promessa original da tecnologia sempre foi eficiência.
No WebSummit 2025, Grant Lee trouxe uma tese que não só desafia esta norma estabelecida, como propõe um novo manual. É um manual de disciplina estratégica, quase filosófica, que recoloca o problema, e não a tecnologia, no centro da construção de produtos.
I. O Paradoxo da Era IA
Vivemos numa era em que a pressão por “ter IA” é tão grande que obscurece a pergunta mais fundamental: por quê? A indústria inteira se comporta como se a integração de IA fosse, por si só, uma vantagem competitiva. Mas há um paradoxo gritante:
Quanto mais IA entra no mercado, mais homogéneos os produtos se tornam.
A tecnologia que deveria criar assimetrias está, em muitos casos, eliminando-as. O diferencial não está na ferramenta, mas na compreensão profunda do que se está tentando resolver.
II. A Tese Central: Crescimento Lento como Estratégia Vencedora
A Gamma, mesmo depois de uma Série B que a colocou no clube dos unicórnios, manteve uma filosofia rara: crescer devagar não é falta de ambição, é disciplina estratégica. Enquanto os seus concorrentes aumentavam equipes para 80, 120, 200 pessoas, ela continuava com um núcleo reduzido, altamente competente e focado.
“Grow slow” não é um elogio à lentidão, é uma crítica à pressa inconsequente. É uma forma de rejeitar a cultura de contratar primeiro e pensar depois. É uma afirmação: o ritmo saudável é aquele que o produto e o problema permitem não o que o mercado pressiona.
Os Três Pilares da Eficiência Real
1. Equipes pequenas de generalistas
Generalistas não são “faz-tudo”. São estrategistas adaptáveis. São pessoas fluentes em múltiplas disciplinas, capazes de navegar problemas ambíguos, o que é crucial num mundo em que a IA muda o terreno todas as semanas. Generalistas fornecem diversidade cognitiva, não a diversidade superficial de headcount.
2. Não perseguir “shiny products”
A tentação é, muitas vezes, criar empresas inteiras apenas para aproveitar uma tendência, sem uma paixão real pelo problema por trás.
Mas isso produz produtos rasos, frágeis e indistinguíveis.
A Gamma escolheu o caminho mais difícil: recusar o brilho e perseguir profundidade. Não construir porque “o mercado está a pedir IA”, mas porque o problema exige IA.
3. O Timing da Contratação: Não contratar antes do Product-Market-Fit
Este é talvez o ponto mais controverso de Grant Lee.
Cada contratação pré-PMF é uma aposta em incerteza.
Cada contratação pós-PMF é um amplificador de certeza.
Antes do PMF, cada nova pessoa aumenta a complexidade, mas não aumenta a clareza. A Gamma só expandiu quando o seu produto já estava resolvendo problemas reais.
III. Porque É Que a Maioria Falha
- O “Shiny Object Syndrome” da IA:
- Mais do que nunca, vemos startups a adicionarem IA por motivos puramente superficiais: “O nosso SaaS precisa de um chatbot de IA, senão parece desatualizado". É confundir tecnologia com valor. É sacrificar profundidade por “novidade”.
- Escala Prematura:
- Existe um dogma: “Mais staff = entrega mais rápida” Na prática, é o contrário. Cada nova pessoa acrescenta:
- Mais Comunicação,;
- Mais Alinhamento;
- Mais Coordenação;
- Mais Overhead;
- Menos Velocidade.
- Existe um dogma: “Mais staff = entrega mais rápida” Na prática, é o contrário. Cada nova pessoa acrescenta:
- Abordagem às Ferramentas:
A indústria ainda opera sob a mentalidade corporativa de impor stacks: “Usamos estas ferramentas, este editor, esta infraestrutura.”. Mas ao tentar eliminá-lo, eliminam também inovação e autonomia. A Gamma optou por uma abordagem radical: não restringir ferramentas. Cada pessoa escolhe o que lhe permite trabalhar melhor. A métrica é produtividade, não conformidade. E essa autonomia é a infraestrutura invisível das equipes verdadeiramente eficientes.
IV. Seja apaixonado pelo problema, não pela tendência
- O que significa amar um problema?
Soluções envelhecem, tecnologias se tornam obsoletas. Mas problemas, comunicação, storytelling, coordenação, decisão permanecem.
A Gamma nunca se apaixonou por “slides bonitos” ou “IA que gera apresentações”. Se apaixonou pelo problema: como permitir que qualquer pessoa conte uma história visual com clareza e impacto. Essa paixão é durável. A tecnologia é apenas uma ferramenta para servi-la.
- A IA amplifica a verdade:
Quanto mais IA existir no mercado, mais fácil é copiar soluções. Logo, a vantagem competitiva muda de:
“O que conseguimos construir” para “O que compreendemos melhor do que os outros”. A tecnologia acelera a execução mas não substitui o entendimento.
- O Paradoxo B2B vs. B2C:
Grant Lee observa que o mercado B2C adota IA muito mais rápido que o B2B. Porquê?
Workflows empresariais são rígidos, politizados, cheios de burocracia institucional. Não se muda o processo só porque apareceu uma feature nova. É por isso que founders B2B que entendem o porquê desses workflows existirem, não apenas como eles funcionam, têm vantagem.
No WebSummit, a Gamma não apresentou funcionalidades novas. Apresentou um velho modelo de crescimento e um manifesto como esse não muda indústrias porque todos concordam, mas porque alguém reconhece uma verdade inconveniente.
